S U P R E M O T R I B U N A L
D A A S S I N A T U R A A P O S T Ó L I C A
DECISÃO DO RECURSO DE APELAÇÃO AO SUPREMO TRIBUNAL DA ASSINATURA APOSTÓLICA 02/2023
APELANTE: Sr. Jean Silva
Contra a sentença ARE 01/2023 do Tribunal da Rota Romana
R E L A T Ó R I O
Trata-se de apelação interposta pelo sr. Jean Silva, contra a sentença proferida nos autos de ação de revisão de excomunhão pelo Tribunal da Rota Romana, ajuíza pelo impetrante.
O apelante alega que a sentença merece reforma, porquanto a julga “(...) improcedente e injusta a sentença emitida por este tribunal ao se recusar a retirar a referida excomunhão na qual me encontro uma vez que a própria não se deteve, apesar de aludido nela própria, na reconciliação com a ICAR de um membro afastado”.
O apelante sustenta, ainda, que a sentença se baseou “por julgamentos parciais e questões pessoais de consciência e espiritualidade”. Por essas razões, o apelante requer a reforma da sentença para que seja julgada improcedente a ação de revisão de excomunhão.
Devidamente processada a apelação, os autos foram remetidos a esta instância para julgamento.
É o relatório.
M É R I T O
I - Da procedência do estado de necessidade
RATIFICO:
“Acompanhando o entendimento dos interessados, tenho que não seja cabível o argumento do estado de necessidade. Para que este instituto possa ser aplicado e seja fator excludente de punibilidade do fato típico, ilícito e culpável, é necessário que não exista uma via lícita possível para que se evite a prática do ilícito. Trata-se de situação caracterizada pela urgência momentânea, pela qual o agente vê-se obrigado à prática de ato ilícito para evitar evento que seria ainda mais danoso. Evidente que, na presente hipótese em que se levou à excomunhão do requerente, não havia este perigo iminente, pela qual apenas uma prática ilícita poderia evitar danos ainda mais gravosos. A conduta ilícita do requerente se estendeu no tempo por período além do aceitável, configurando, assim, razões suficientes para a decretação da excomunhão, conforme corretamente procedeu o Dicastério para a Doutrina da Fé.”
A alegação apresentada pelo impetrante de que “É notório que a ICAR, sobretudo em suas lideranças, é constituída majoritariamente de clérigos liberais e progressistas, que repugnam a espiritualidade católica tradicionalista dentro da Igreja.” não é um fundamento válido para justificar o instituto do estado de necessidade. O estado de necessidade é uma excludente de ilicitude reconhecida no ordenamento jurídico quando se verificam os seus elementos essenciais. Tal instituto requer uma relação de causalidade direta entre o ato ilícito praticado e a proteção contra o mal iminente.
No presente caso, a alegação do impetrante, além de não se configurar como um perigo atual e iminente que justifique o emprego do estado de necessidade, fere diariamente o decoro exigido hierarquicamente pela Santa Igreja. Além de carecer de prova para sua alegação, o impetrante ainda configura desprezo ao magistério da Santa Igreja, reduzindo-o a interesses pessoais ou ideológicos de grupos específicos, quando, em suma, percebemos sua base argumentativa fundamentada em uma reprodução ideológica de grupos denominados tradicionalistas radicais e majoritariamente sedevacantistas. Alega o impetrante:
“No afã de levar para a realidade virtual o posicionamento do tradicionalismo católico real, me opus ao Motu Proprio e continuei fazendo uso do rito antigo. Mais ainda, o Papa, na realidade e no Habbo, não tem jurisdição para proibir a Missa Tridentina, pelas razões por mim alegadas na "Considerações" que teci, e que é de conhecimento de um dos interessados, quando da publicação do Motu Proprio. (...). Assim, continuei a fazer uso do Rito Antigo, apesar da vigência do Motu Proprio, acreditando ser um meio necessário para levar ao Habbo essa verdade que é por tantos ignorada ou, o que é pior, conscientemente negada.”.
Ademais, o estado de necessidade pressupõe uma urgência momentânea, que exige uma resposta imediata e impossibilita a busca de soluções lícitas para evitar o mal que se avizinha. No entanto, no caso em questão, o impetrante fundamenta sua conduta ilícita na defesa do tradicionalismo católico e da discordância com o Magistério, argumentos que se referem a questões doutrinárias e não a uma situação de perigo imediato que justifique a desobediência às normas eclesiásticas. A discordância ideológica ou doutrinária não se amolda a essa situação de excepcionalidade, de forma mais específica à como foi procedida pelo impetrante, exigida pelo estado de necessidade, e, portanto, não se apresenta como justificativa válida para a prática de atos ilícitos como a desobediência ao Motu Proprio Tradiciones Custodes do Papa Antônio.
II - Do interesse de remissão do impetrante
RATIFICO:
“Ab initio, entendo que para que a retirada da pena de excomunhão devem ser observados os seguintes pressupostos: 1) o verdadeiro arrependimento do excomungado pela prática do ilícito que ensejou sua excomunhão; 2) o completo abandono do ilícito vetor da excomunhão. Ambos os pressupostos são complementares um ao outro, haja vista que não haverá verdadeiro arrependimento pela prática do ilícito se não houver interrupção da conduta ilícita.”
O impetrante sustenta que, mesmo após o período decorrido de sua excomunhão, ele não cessou a prática do ilícito, qual seja, a celebração do Rito de Uso Antigo sem a devida autorização do Dicastério para o Culto Divino e Disciplina dos Sacramentos, conforme estabelecido no Motu Proprio "Traditionis Custodes" e na Instrução para concessão de permissão. O impetrante justifica suas ações alegando que acreditava estar agindo em estado de necessidade, e que seu objetivo era disseminar a fé católica pelo Habbo Hotel.
Todavia, deve-se salientar que a excomunhão é uma sanção canônica que busca promover o arrependimento do excomungado, levando-o a uma profunda reflexão sobre suas faltas e a busca pela reconciliação com a Igreja. Nesse sentido, é um imperativo para a remoção da excomunhão que o excomungado manifeste um verdadeiro arrependimento pela prática do ilícito que ocasionou sua penalidade e que cesse completamente a conduta ilícita que levou à excomunhão.
A argumentação do impetrante, em sua própria peça de apelação, evidencia que ele não atendeu a nenhum desses requisitos. Ao continuar a celebrar o Rito de Uso Antigo sem a devida autorização - de igual modo após a devida orientação do Dicastério para a Doutrina da Fé - e mesmo após um período substancial desde a aplicação da pena, o impetrante demonstra a persistência em sua conduta ilícita - não apenas no exercício prático, mas de igual modo na formação ideológica de seu argumento -, sem demonstrar arrependimento genuíno.
Além disso, a referência a uma organização cismática em sua peça denota a manutenção de posições que contradizem o magistério da Igreja. Esse comportamento vai de encontro à finalidade preventiva da pena de excomunhão, que é proteger a comunidade cristã das ideias transgressoras.
Embora o impetrante faça menção a situações passadas na história da Igreja, tais exemplos não justificam suas próprias ações nem invalidam a aplicação da pena de excomunhão. Cada caso deve ser tratado individualmente, respeitando-se as normas e princípios da Igreja, visando sempre a justiça e a correção das práticas contrárias ao magistério.
Em suma, com base nos elementos objetivos apresentados e nos requisitos estabelecidos para a retirada da excomunhão, constata-se que o impetrante não demonstrou verdadeiro arrependimento nem cessou a prática ilícita que ensejou sua excomunhão. Nesse contexto, a concessão do perdão canônico não se mostra viável no momento presente. Embora a Igreja possa estar aberta ao diálogo e à reconciliação, é imprescindível que o impetrante efetue uma mudança de postura e atenda aos requisitos exigidos para o retorno à comunhão plena com a Igreja.
D E C I S Ã O
Diante do exposto, JULGO IMPROCEDENTE a apelação interposta pelo sr. Jean Silva e DETERMINO a manutenção da sentença ARE 01/2023 do Tribunal da Rota Romana, de forma integral em todas as suas disposições, à memória:
“1. RATIFICO a pena de excomunhão ferendae setentiae publicada pelo Dicastério para a Doutrina da Fé, em todos os seus termos e produzindo todos os seus efeitos;”
“2. IMPOSSIBILITO a proposição de nova ação de revisão de excomunhão pelo requerente pelo período mínimo de 3 meses, a contar da publicação da presente sentença, tempo que disporá para cumprir com as finalidades medicinais da pena de excomunhão;”
“3. CONCEDO permissão ao requerente que busque unicamente ao Dicastério para a Promoção da Unidade dos Cristãos, a fim de que obtenha auxílio psicológico e espiritual e reformule suas ideias, aceitando as determinações e provisões do Sacrossanto Concílio Vaticano II e respeite o magistério do Papa Francisco e da Igreja do Habbo.”
PUBLIQUE-SE.
CUMPRA-SE.
ARQUIVE-SE.
Dado em Roma, no Supremo Tribunal da Assinatura Apostólica, Palácio da Justiça, no segundo dia do mês de agosto de dois mil e vinte e três.
PREFEITO DO SUPREMO TRIBUNAL DA ASSINATURA APOSTÓLICA